Adolescência

Que afortunada sou por amar

tanto alguém

 

e saber que posso dar

tanto a alguém.

 

Um homem que merece tanto

que lhe diga «amo-te» tantas

vezes por dia quanto as

que me vierem à mente.

 

A Arte de Mergulhar, de Lili Reinhardt

 

Sou uma inculta da poesia. Não a sei ler, nem apreciar. Por isso, quando na biblioteca folheei um livro que, pelas ilustrações, me chamou a atenção na mesa da poesia, abrindo-o aleatoriamente para encontrar estes versos (é assim que se diz?), achei que me tocava no coração e trouxe-o para ir lendo devagar. Descobri outros versos (é assim que se diz?) que me tocavam o coração e resolvi que estava na hora de explorar o mundo da poesia. Quem sabe encontro nela as palavras que me têm faltado ultimamente? Pouco depois, descobri que Lili Reinhardt é atriz de uma série de televisão americana para adolescentes e que o próprio livro é um bocado adolescente. Um Young Adult da Poesia. Existirá o género? Curiosamente, fez-me sentido que tivesse sido este o livro que escolhi (ou terá sido ele a escolher-me?) para me iniciar na poesia, como uma espécie de rito de passagem. E porque, ultimamente, me tenho sentido uma espécie de adolescente, com tanta vida e paixão a fervilhar em mim, e esta esperança renovada no amor, como se nele continuasse a ver a minha cura.

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O reverso da medalha

Desde que Putin invadiu a Ucrânia, comecei a usar o Twitter com mais regularidade. Metade do meu feed são políticos, a outra metade, a força do povo. Os Anonymous são os meus hackers preferidos. Vejo o noticiário infantil alemão para conseguir explicar às minhas filhas aquilo para que me faltam palavras. Há oito dias que tenho muito medo por todos nós, já chorei muito, não largo as notícias, mas esta guerra não é minha. Não fui eu que tive de deixar tudo para trás. Não fui eu que tive de decidir entre ficar e lutar pelo meu país e, provavelmente morrer, ou salvar as minhas filhas, mas deixar o meu marido para talvez nunca mais o ver. Hoje, no restaurante, olhava para elas, alheadas no seu mundo, e pensava que, um dia, se não em breve, esta pode deixar de ser a nossa realidade.

Por outro lado, na minha esfera pessoal, estou a viver coisas incríveis. Há sempre o reverso da medalha, seja bom ou mau, mas não deixo de pensar se terei direito a sentir que talvez agora, aos 41 anos, neste terrível ano bastardo da nova década de 20, a vida esteja finalmente a revelar o que tinha guardado para mim. É capaz de ser melhor desfrutar do momento enquanto posso.

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Inventário

Janeiro longo, com mais braços do que um polvo, já ficou lá atrás. Entrámos em fevereiro com um teste positivo à covid. Mais sete dias de isolamento, que, só por si, nem são muitos, mas se lhes acrescentarmos todos os dias que vivemos isolados nos últimos dois anos, perdemos a conta ao desespero. «Farta desta merda», como diz nos bordados do Hardcore Fofo, que um dia ainda hei de comprar e vestir, orgulhosa, em  jeito de protesto silencioso e sem destinatário específico.

Os dias em isolamento sucedem-se sem novidade nem vontade. Faço autotestes por recreação. Leio muito pouco. Obrigo-me a jogar Monopólio e a fingir que gosto. Penso muitas vezes em escrever, mas o único diário que mantenho é o do sono, que já me permitiu chegar à bela conclusão de que nunca duvidei: durmo mal e não creio que haja muito a fazer sem químicos. Mas lá vou tentando com coisas naturais, mais que não seja para, um dia, poder dizer que tentei.

Mas não foi um mês perdido. É verdade que não cumpri escrupulosamente tudo aquilo a que me propus, mas, dado tudo o que podia não ter feito, acho que fui relativamente bem-sucedida em algumas áreas. Por exemplo, não fiz 30 dias de Yoga with Adriene, mas fiz 20. Caramba, 20 dias de ioga num mês! Nem quando estava inscrita duas vezes por semana eu fazia tanto ioga! Depois, fiz batota no Dry January e bebi aos fins de semana, mas de forma consciente, e só bebi 5 vezes em 31 dias. Nada mau. Também não comecei nenhuma dieta, mas deixei de comer pão branco e outras coisas à base de farinhas, obrigo-me a beber, pelo menos, litro e meio de água, e isto, só por si, ajudou-me a perder aquele excesso do final do ano sem sacrifício. Voltei a costurar, mesmo que me tenha ficado pelos guardanapos de pano e por uns quadrados para a manta de retalhos que vou fazer um dia. Aconteceram mais coisas, mas receio que este não seja o sítio.

Para fevereiro não sei o que quero. Sair de isolamento era bom. Acordar e perceber que o Chega ser o terceiro partido com maior assento parlamentar não tinha passado de um sonho mau seria espetacular. E saber quem foram os 77 paspalhos que votaram neles na minha secção de voto também dava jeito, porque a terra é pequena e de certeza que me cruzo com com um ou outro diariamente e até lhes digo bom dia.

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Dia de Ano Novo

Em miúda, o dia de Ano Novo era vivido com pompa e circunstância. A minha mãe comprava-me sempre dois conjuntos de roupa nova, um para usar no dia de Natal, o outro, no primeiro dia do ano. Vestidos a preceito, íamos almoçar fora. O restaurante era sempre diferente. Lembro-me de irmos à sopa da pedra a Almeirim e, noutro ano, a Peniche. Chegávamos à uma da tarde, que é a hora a que se almoça. Nós e mais 300 pessoas. Quanto maior a fila, melhor, porque era sinal de que o restaurante era dos bons. É claro que nunca fazíamos reserva. Não sei se não havia ainda esse conceito, se eram os meus pais que, de ano para ano, não aprendiam. Por isso, esperávamos sempre entre uma a duas horas, em pé, no passeio, chovesse ou fizesse sol. (Curiosamente, não me lembro de nenhum 1 de janeiro em que tivéssemos estado à espera à chuva; talvez nos dias chuvosos, os meus pais decidissem almoçar em casa.) Por volta das três da tarde, lá nos sentavam, e atacávamos com sofreguidão o pão com manteiga e as azeitonas. Tirando a sopa da pedra, não me lembro das refeições propriamente ditas. Só me lembro de que, quando saíamos do restaurante, mal tínhamos tempo para dar a voltinha dos tristes antes de começar a escurecer e serem horas de voltar para casa.

Hoje em dia, ano novo sim, ano novo não, passo-o entre o sofá e a sanita, vergada pela ressaca. É triste chegar a esta idade e ainda ser apanhada em falso. Confio sempre na sorte, mesmo já sabendo o que a casa gasta (que não conheço mais ninguém com ressacas como as minhas). Como os meus pais que nunca aprenderam a reservar mesa, também eu ainda não aprendi a beber, se é que posso comparar. Ao menos, eles aproveitavam o dia. Já eu… bom, digamos que o meu ano começou no dia 2. E  pronto, se dúvidas houvesse, agora estou mais do que convencida de está na altura de fazer o Dry January.

Bom ano!

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