Coxos

O Iggy Pop é coxo. Já era coxo antes de se ter tornado um deus em palco, prova de que quase 4 cm de diferença de uma perna para a outra não são impedimento para pessoas com garra. Nunca me tinha apercebido dessa diferença, até ter visto este vídeo.

Caramba. Eu tenho 2,2 cm de diferença da direita para a esquerda. Depois disto, a forma como me vejo claudicante nos nossos vídeos familiares caseiros vai certamente mudar.

Continue Reading

Vira a página e escreve o mesmo

 

Nas férias, gosto de esvaziar a mente de dificuldades, incluindo as semânticas. Por isso, escolho livros fáceis, com uma trama que prende logo de início e sem grandes elaborações literárias. O Caso Alaska Sanders, de Joël Dicker, enquadrou-se, assim, na perfeição. No entanto, começo a achar que vou ter de escolher outro autor para me fazer companhia entre mergulhos. A razão para isso é muito bem explicada aqui.

Continue Reading

Utopias

Há muitos preconceitos à volta do Festival Boom. O principal é que “aquilo é só droga”, mas gostava de vos convidar a comparar estes dois artigos (este sobre o Boom, para uma população de 41 mil pessoas, e este sobre o Meo Sudoeste, para uma população de 23 mil) para que tirem as vossas conclusões.

Ou seja, é óbvio que há droga, montes dela, por todo o lado, mas, ao contrário do que se possa ouvir por aí, ninguém vos mete droga na comida nem na bebida, não há droga na água da rede (!), nem ninguém vos obriga a consumir o que quer que seja. Sendo todos adultos, cada um faz o quer e tem livre arbítrio para escolher. A única diferença é que ali ninguém tem de se esconder (nem é olhado de lado por não querer). É tudo às claras, e com preocupação pela segurança de quem consome (há mil pessoas destacadas para socorrer experiências que corram menos bem, ou excessos e problemas de desidratação, e há um posto de teste de pastilhas e ácido pela Kosmicare).

Mas o Boom não é só isso. Também não é, de modo simplista, um festival de música electrónica, apesar de ser um elemento bastante presente e de aquela batida nos acompanhar de dia e de noite – estranha-se, mas depois entranha-se, assegura-vos quem não gosta(va).

O Boom é, segundo aquilo que me foi dado a ver na semana que lá estive, o modelo de uma sociedade perfeita. Uma utopia que nos é dada a experimentar durante uma intensa semana, de 2 em 2 anos (excecionalmente haverá repetição para o ano, mas depois retoma a regularidade normal).

Uma sociedade em que o cuidado com o planeta não é apenas uma preocupação, mas um modo de vida. Uma sociedade em que as pessoas se entreajudam e se preocupam umas com as outras, apesar de estarem imersas na sua experiência individual. Parece haver um acordo tácito de “o bem-estar do outro é o meu bem-estar” e de “posso ser livre sem interferir com a rua liberdade”. Uma sociedade em que os corpos são normalizados e a nudez, parcial ou total, é vista como uma escolha individual, um modo de expressão, sem desencadear olhares reprovadores, de lascívia ou de algum modo incómodos. É tudo natural, não é sexual. A mulher pode andar de seios à mostra por onde quiser sem ter (medo) de ouvir piropos. Não imaginam o quão libertador é isto! Uma sociedade que não é patrocinada por marcas, nem dominada por credos, partidos políticos ou nacionalidades. Em que tudo funciona, também porque cada um faz a sua parte para cumprir as regras (apesar de não haver regras) sem queixume.

Vim de lá com uma profunda satisfação por ter feito parte de algo assim, tão superior aos sistemas que conheço. Cheguei a casa com a missão autoimposta de perceber como posso sentir a paz de espírito que lá senti, mesmo não estando reunidas as mesmas condições na vida real. Infelizmente, depois do síndrome de abstinência do Boom que senti nos dias que se seguiram, recebi várias chapadas da realidade que me transportaram de imediato para o meu estado pré-Boom: stress, ansiedade, queixume, insatisfação, irritação.

Depois de saber como é não sentir nada disso, sinto-me ainda mais frustrada. Mas nada como uma experiência transformadora e transformativa para nos fazer questionar e mudar aquilo que não está bem. E há muita coisa em mim que não está bem, no meu trabalho, na minha falta de tempo e disponibilidade mental para fazer as coisas que estimulam a criatividade e me trazem paz, como a costura e a jardinagem, na minha impaciência, nos filmes que faço na minha cabeça e em que acredito, apesar de não passarem de pensamentos, nas minhas inseguranças, no stress que me permito ter porque parece que não conheço outra coisa. Mas agora conheço, e tem de ser possível.

Tem de ser possível.

Continue Reading

Mães e filhas

Sempre que eu ou uma das minhas filhas fica doente ou se aleija, a minha mãe pergunta-me: «Então, filha, como foste arranjar isso?». Já estou muito habituada a ouvi-lo e não devia ligar, mas a verdade é que entendo sempre uma nota de acusação por trás da pergunta. Não é um «Então, filha, como é que isso aconteceu?», que seria algo perfeitamente adequado no contexto de uma lesão, perna partida ou fractura exposta. Também não é um «Então, filha, onde é que apanhaste?» ou «Quem é que te pegou?», no caso de qualquer doença infecciosa e contagiosa. Não. É mesmo um «Então, filha, como foste arranjar isso?» ou na variante também muito comum «Então, filha, como é que fizeste isso?», o que, francamente, não deixa grandes margens para dúvida de que a grande culpada sou eu, mãe negligente e desastrada que se deixa infectar com covid e ainda infecta as filhas. Uma vez, disse-lhe que me sentia incomodada com o tom de acusação, ao que ela, ressabiada, se escudou logo com «é só uma maneira de dizer».

Agora que apanhei covid, mais de dois anos depois de a doença ter chegado a Portugal – já ter conseguido fintar a doença durante tanto tempo foi um feito -, a minha mãe voltou à sua velha «maneira de dizer». Eu, grandessíssima burra, que me deixei infectar numa viagem que nem queria fazer, porque gosto de andar aos caídos pela casa de lenço na mão e nariz a pingar, cansando-me só de estender a roupa e sem paciência para nada. Há gente assim, fazer o quê, é pespegar-lhes com um autoteste pelas ventas para ver se acordam para a vida.

À minha filha mais velha, que tem o dom da inconveniência e da perspicácia, o que nem sempre joga bem, não me apeteceu explicar que a relação entre mães e filhas nem sempre é fácil, porque cada uma acha que tem sempre razão. Infelizmente, acho que ela há de lá chegar sozinha.

Continue Reading