Visitar a Palavra de Viajante.

Visitar a Palavra de Viajante.
(Primeira semana sem redes sociais. Os meus dedos estavam programados para se deslocarem ao sítio das apps. No lugar do Instagram, coloquei a Zero, para monitorizar os meus jejuns intermitentes, e no espaço do Facebook tenho agora a To Do, para que nada me escape da lista de compras. Está a correr bem, não sinto falta. Li as notícias diretamente da fonte, ouvi 5 ou 6 podcasts, voltei a ler blogs e a preencher o meu Feedly e não perco tanto tempo, especialmente à noite. Senti falta das fotografias do Insta, achei que não ia ter motivação para as tirar, já que não as podia postar em lado nenhum (ao ponto a que chegámos…), mas parece que, afinal, teve o efeito oposto.)
Além do documentário sobre o Nick Cave, este fim de semana vi ainda o documentário sobre a Joan Didion, The Center Will Not Hold, cujo título acho maravilhoso.
Aproveitei que o resto da família foi enlamear os sapatos e a roupa para a serra para ver as cascatas que se tinham formado com a chuva torrencial do dia anterior (tenho limites muito bem definidos para incursões ao ar livre e um deles tem que ver com solos pantanosos e pedras escorregadias, obrigada, mas não), e alapei-me no sofá com uma taça gigante de café no colo. Gostei tanto do documentário que, nessa noite, mandei vir um dos seus livros do UK, juntamente com outros livros que tinha na lista há uns anos e suspeito que dificilmente ou só daqui a muito tempo é que serão traduzidos por cá.
Acho que The Year of Magical Thinking vai ser um livro doloroso, que me vai custar muito a ler, especialmente porque sinto que me encontro na fase do luto mais abjeta, em que muitas vezes não me reconheço quando deixo que os pensamentos fluam livremente numa dança macabra.
Joan Didion perdeu o marido e a filha, mas este livro fala apenas sobre a perda do marido (enquanto a filha estava em coma; eu sei, é tudo tristíssimo). No filme, há alguém que diz, eu acho que é o cunhado dela, mas não fixei bem, que um mês depois da morte de um ente querido, a vida retoma o seu ritmo normal e as pessoas chegadas esperam que os enlutados façam o mesmo. Quatro meses depois da minha perda, a minha vida voltou ao normal e acho que toda a gente à minha volta já se esqueceu – ou então acham que por não falarem nisso é como se nunca tivesse acontecido – e espera que eu também. Isto magoa-me um bocadinho, mas percebo que tenha de ser assim, que não possam nem queiram alimentar a vitimização durante muito tempo.
Foi graças ao documentário que mandei, finalmente, mensagem ao psicólogo. Preciso que ele me diga que tudo isto é normal e esperado e necessário, até, e que não faz mal que por fora tudo pareça estar bem e que alterne momentos de quietude e energia e esperança no futuro com momentos em que, silenciosamente, sempre silenciosamente, viro o meu sentimento de injustiça contra a felicidade dos outros.
O que terá a Joan Didion a dizer sobre isto?
Acabei de ver o documentário 20 000 Days on Earth, sobre o Nick Cave. Emocionei-me, achei-o um registo lindíssimo, poético e assombroso de um dia na vida de um dos músicos que mais admiro, que passa o tempo a escrever, quando não está a cantar, a escrevinhar em cadernos com as pontas dobradas e folhas amarrotadas sobre tudo e mais alguma coisa, até sobre o tempo, hábito que adotou quando se mudou para Inglaterra. O tempo inclemente e o céu cinzento a que teve de se habituar levaram-no a manter os Weather Diaries, numa tentativa de controlar os seus sentimentos sobre o incontrolável, de não deixar que algo alheio à sua vontade ditasse a forma como se sentia.
Foi também o João Tordo que me disse, no curso de Escrita de Romance, quando declarei que só conseguia escrever sobre as coisas da minha vida, embora muito pouco romanceáveis, que, por vezes, as coisas mais belas são as mais corriqueiras, aquelas de todos os dias, contra as quais temos amiúde de lutar para não deixar que nos controlem.
Depois, Nick Cave diz ainda: I can control the weather with my moods. I just can’t control my moods.
Posso ter deixado temporariamente as redes sociais mais invasivas, mas continuo a encontrar enorme utilidade em certas aplicações, como o Shazam que me permitiu saber in loco, in situ, in carro o que é que estava a passar na Radar. Acho que temos música para o próximo mês.