Comida rápida

Sesimbra era, até agora, uma das únicas vilas em Portugal onde não havia um McDonald’s. Abriu um há uns dias. A poucos metros, há um Burger King, que também abriu há uns dias. Podia ficar por aqui e deixar-vos a pensar sobre a razão do interesse repentino por Sesimbra pelos magnatas da fast food, mas venho falar-vos de outra coisa.

Fomos lá hoje. Eu não queria, odeio, irrita-me todo o lixo, irritam-me os preços, incomodam-me as pessoas. Mas as minhas filhas, apesar de até nem se poderem queixar da qualidade da comida que ingerem em casa, acham que o McDonald’s é a quinta-essência da gastronomia, e o pai prometeu que lá íamos em troca de ajuda para apanhar pinhas…

Então, fomos. Para não dar a visita por perdida, fui a pé até lá. É menos de 1 km, faz-se bem e dá para ir espreitando os jardins dos vizinhos e tirar ideias de como montar um jardim. Ou como não montar um jardim. Há de tudo.

Lá chegados, eles pediram cada um o seu hamburguer e eu escolhi um menu de sopa e salada. Vou repetir: sopa e salada. Legumes, portanto. Isto é importante para poderem fazer uma relação nas vossas cabeças quando, a seguir, vos disser que uma sopa e salada ficam mais caras do que um menu de hamburguer e batatas. Acho um bocado escandaloso. Ainda tentei iniciar uma discussão sobre o assunto, mas levei logo com o argumento de “isto não é uma casa de saladas”, como se fosse um favor que o McDonald’s estivesse a fazer aos esquisitinhos. Calei-me, porque era a quarta vez que me queixava desde que chegáramos e sei que posso ser bastante aborrecida quando estou contrariada.

No total, mesmo com a roubalheira do meu menu, pagámos 30 euros por um jantar para quatro. Lá fora, uma senhora mesmo muito gorda precisou de fazer algumas acrobacias para conseguir entrar no carro. E, claro, vai ali jantar, porque é bom e barato.

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Dia do tradutor

Tive o melhor dia do tradutor de sempre. Já tinha participado em encontros informais, jantares organizados, fui inclusivamente a uma escola falar sobre a profissão de tradutor a uma turma do terceiro ano, mas este ano, sem eventos marcados, recebi, em pleno dia do tradutor, a proposta para traduzir o primeiro romance-mesmo-giro que já tive em mãos (daqueles que me agradam com leitora) e o elogio de um colega de profissão. Isto, parecendo que não, vale mais do que um cliente satisfeito.

Depois, à noite, assisti remotamente ao duelo entre uma tradutora humana (uma antiga professora de Literatura Alemã, cuja voz me fez voltar uns valentes anos ao passado) e um software de tradução automática. Achei as quase duas horas de sessão verdadeiramente interessantes, o que diz muito da forma como tenho passado os serões…

Seja como for, decidi que este mês iria escrever aqui todos os dias. Nem que seja só uma frase, uma palavra, a legenda de uma imagem. Não é bem uma promessa, antes uma espécie de resolução de ano novo. Lá para o dia 11 já me devo ter esquecido.

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Há um ano

Faz por esta altura um ano que descobri estar grávida do bebé que não foi. Na altura, ainda não sabia disso, naturalmente, e a notícia chegou como uma surpresa de quem passou anos à espera de que lhe fizessem uma festa-surpresa e depois, quando efetivamente lha fazem num aniversário ímpar e desengraçado, já não sabe o que sentir. Foi num domingo de manhã e lembro-me de estarmos sentados na cama, as miúdas ainda a dormir, e ele ter lançado a pergunta “e agora”. A manhã decorreu como a manhã normal de partida, as miúdas na piscina enquanto nós deixávamos a casa pronta para os próximos hóspedes, mas ao almoço já não bebi vinho.

Ainda não tinha voltado a esta casa desde esse dia. E não faz mal, não é como se lá tivesse entrado desta vez e tivesse sido bafejada com o ar pesado das memórias tristes. É só que ligo muito a datas e às coincidências. E ontem, no dia em que regressei à casa, foi o dia da grávida, então comecei a lembrar-me destas coisas. O primeiro aniversário do filho perdido está próximo e tenho de me preparar para a avalanche. Divido-me em várias hipóteses. Talvez pensar nestas coisas me faça mal. Talvez me faça melhor falar sobre elas. Talvez possa tudo ficar como estava, estava tudo tão bem. Enxoto os pensamentos como a uma mosca chata e viro-me para apanhar sol do outro lado.

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Diário do Sono (2) – Piolhos, livros e séries

Tenho dormido bem na última semana, o que me deixa sempre uma acutilante sensação de desconfiança enquanto, a medo, aguardo a próxima insónia não anunciada. Mas desfruto das minhas noites bem dormidas, não pensem que não, se é que se pode dizer que uma noite interrompida para aliviar o corpo dos líquidos produzidos é bem dormida, mas não me quero queixar de barriga cheia.
(Será do Melamil?)

Regressamos lentamente às rotinas. Que digo? Regressámos subitamente às rotinas. Depois de praticamente quatro semanas de férias, divididas por dois meses, o trabalho clamava por atenção, como um bebé impaciente à espera da papa. As miúdas chegaram das férias com piolhos e devia ter dado graças por, no dia em que cheguei a casa, ter tido de adiar o banho demorado e quente por que ansiava pelo tratamento de piolhos e não devido a outro problema qualquer, como nos terem assaltado a casa ou ter recebido uma fatura astronómica para pagar, por exemplo. Mas não, fiquei bastante aborrecida e passei a semana num estado de aflição constante perante nova praga que ameaçava, como sempre, ser interminável.

Tratados os piolhos, fomos à Feira do Livro, que me deixou um amargo de boca. A Hora H é como uma espécie de corrida aos supermercados antes do caos mundial provocado por uma pandemia (parece que foi ontem), um açambarcamento de papel para a higiene mental. Não gostei e não repito. Fiquei cansada, fartei-me de correr e fazer contas, separar da lista os livros mais recentes dos com mais de 18 meses. A Feira do Livro é para passear com calma, para parar nas bancas e folhear os livros. Por isso, evito os fins de semana e dispenso os tróleis de viagem cheios de pechinchas a 50%. Ainda assim, trouxe 11 livros, mesmo sem ser na hora dos abutres, vale sempre a pena.

Em casa, vimos a série White Lotus, da HBO, que recomendo vivamente. Há algum tempo que não via algo tão bom, hilariante, mas mordaz, com aquela sátira social que deixa um desconforto no ar extinguida a gargalhada. Com personagens muito bem construídas e um final surpreendente no seu género (porque a vida é um bocado assim, quem tiver visto percebe), o único desgosto foi já não ter mais episódios para ver.

 

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