Paralelos

Estou a ler vários livros ao mesmo tempo. Isto não me costuma acontecer; gosto de me concentrar num livro de cada vez. Mas calhou, nem me vou dar ao trabalho de explicar porquê, ter começado vários livros ao mesmo tempo; intercalo a leitura consoante o estado de espírito. Mas não deixa de ser estranho e confuso e dá-me vergonha de os pôr todos no Goodreads, não vão as pessoas pensar que perdi o juízo (eu acho que as pessoas que fazem o que eu tenho feito ultimamente são pouco centradas e meio esquizofrénicas).

Depois, hoje, que é sábado, mas trabalhei duas horas de manhã e duas horas de tarde, apercebi-me, duh, de que também estou a traduzir vários livros ao mesmo tempo, um de manhã, outro de tarde, e tenho outro já na calha. Vou intercalando consoante o número de páginas que me predisponho a fazer por dia e o avanço que dou; às vezes, também intercalo consoante o meu estado de espírito, porque um é uma sátira e os outros dois são de autoajuda. Por oposição, não acho isto nada estranho nem confuso.

 

Continue Reading

As casas dos outros

Espantam-me sempre as coisas que encontro nas minhas caminhadas, se bem que, normalmente, só eu saiba porque me espantam certas coisas ou me despertam a curiosidade. Há de chegar o dia em que me apanham a tirar fotos a uma casa e depois lá tenho de me desculpar e explicar que gosto do nome (ou que o achei piroso, o que é igualmente válido), ou dos painéis de azulejos na fachada da casa que me fazem lembrar uma manta de retalhos, ou do jardim compostinho ou do gato fotogénico ou do peixe a secar estendido na corda. É giro ver as coisas que as pessoas fazem e têm nas suas casas. Dá uma ideia vaga daquilo que são na vida.

Devem pensar o mesmo de mim quando passam pela minha casa, que está à vista descarada de toda a gente e permite uma vista desafogada para lá do portão. E as pessoas olham, sem pudor. Já me habituei, mas preferia ter tudo fechado com umas sebes de bambu que crescem muito alto e não dão a sensação de estarmos fechados numa prisão. Mas não temos e eu vou-me acomodando ao que tenho e ao que posso ter com o dinheiro que tenho e quero gastar na casa. A julgar pelo exterior, não ostento lá grande coisa, em parte por causa da tal questão do dinheiro, em parte porque me faltam ideias e forma de as concretizar. Tirando os canteiros, não sei se dá para ter uma ideia vaga daquilo que eu sou na vida. Se calhar, também me engano quanto aos outros.

Valha-nos a imaginação.

Continue Reading

Situações espinhosas

Apareceu, pela segunda vez, um ouriço no nosso quintal. Já eram quase onze da noite, por isso não me pus a telefonar a ninguém para o vir resgatar (parece que os ouriços são uma espécie ameaçada que requer alguns cuidados), mas deixei-lhe o portão aberto para não se voltar a entalar. A Olívia, a nossa gata, andou sempre de volta dele com cautela, ciente dos riscos que corria caso lhe deitasse a pata em cima. É curioso como os animais evitam instintivamente situações espinhosas e percebem com que espécies não devem fazer farinha. Os humanos, infelizmente, nem todos têm o instinto bem regulado. E eu, a julgar pelas vezes que me desiludo e que acredito que as pessoas podem perder os espinhos, devo ter vindo ao mundo com o meu irremediavelmente avariado.

Continue Reading

Secas

E o que dizer daquelas pessoas palavrosas, mas que só sabem falar da mesma coisa? É como se, por muitos anos que passem, nada mais de interessante lhes tivesse acontecido ou mantivessem os mesmos interesses de toda uma vida, tivessem deixado de sair de casa ou tivessem deixado de conhecer pessoas novas, revissem sempre as mesmas séries de televisão ou relessem sempre os mesmos livros. Aos interlocutores pouca alternativa resta senão ouvir as mesmas coisas pela enésima vez e consolar-se com a ideia de que tais momentos lhes servem para refrescar a memória ou dar coesão ao relato. Mas, por norma, servem apenas para consolidar a opinião de que das duas uma: ou estão perante pessoas altamente aborrecidas e desinteressantes ou então são pessoas muito seletas na escolha dos temas que desenvolvem com que interlocutores. Têm a carteira dos assuntos novos e picantes para discutir com quem lhes importa e, a quem não passam cartão, desenrolam o pergaminho dos tópicos batidos sem sequer se dar ao trabalho de trocar a ordem com que os apresentam. Eu devo inserir-me no grupo dos interlocutores insignificantes, porque apanho com cada seca…

Continue Reading