Caixinha dos comprimidos

Há coisas sobre os nossos pais de que só nos apercebemos quando já não vivemos com eles há bastante tempo e vamos dormir lá a casa. Por exemplo, que ainda guardam a mania de cortar as embalagens de desodorizante quando já só falta aquele restinho que não sai pelo orifício e, para evitar a entrada de ar, para não ressequir, os taparem com molas da roupa. Não sei se consigo explicar bem isto, acho que são daquelas coisas que só vistas.

Ou então, talvez mais fácil de visualizar, que têm, cada um, uma caixa de medicamentos que permite planear as tomas da semana inteira, com profundidade para até 10 comprimidos por compartimento (pequeno-almoço, almoço, lanche, noite, de segunda a domingo), mas com compartimentos tão estreitos que é preciso uma pinça (e muita paciência) para tirar os comprimidos de lá.

E, com isto, descobri que a minha mãe toma 4 comprimidos em jejum e 9 ao pequeno-almoço. Tive medo de perguntar com era o resto do dia.

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Quarto de menina

Esta noite, vou dormir no meu quarto de menina. Não está exactamente igual; já não está cá a aparelhagem onde ouvia a Super FM, mas o edredão é o mesmo e ainda está pendurado o quadro de cortiça com os bilhetes dos festivais.

É só uma noite. Já tomei as gotas de melamil e vou pôr os tampões, porque me lembro da última vez em que aqui dormi, quando vim da Alemanha, e de todos os barulhos me terem feito confusão, os passos dos meus pais, o ranger das escadas, as portas a fechar no trinco. Ao fim de três noites, não aguentei e mudei-me para o sótão. Três meses depois, mudei-me para Campo de Ourique e assim foi, de mudança em mudança, até chegarmos ao dia de hoje em que partilhei uma garrafa de tinto com o meu pai ao jantar e deixei a minha mãe a contar histórias de embalar enquanto me vim enroscar no meu quarto de menina.

Lá fora, chove que se desunha.

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Sleep alone

Houve uma altura, há não muito tempo, em que tive no cesto de compras do site da Ikea dois colchões de casal que cabiam na nossa cama. Via-os como a solução para todos os meus problemas nocturnos. Mas aos colchões tive de juntar dois conjuntos de lençóis e dois edredões de solteiro, pois de que adianta ter dois colchões se continuo a sentir os movimentos no edredão do outro lado da cama (acreditem, há noites em que tudo me complica com o sistema)? Com isso, a conta foi aumentando e acabei por desistir do empreendimento.

Agora, calha ter a cama só para mim durante cinco noites. Dormi bastante bem na primeira.

A vida dá-nos estas benesses de vez em quando.

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Gémeas falsas

Às vezes, custa-me a crer que ambas as minhas filhas tenham mesmo nascido de mim (apesar de eu estar acordada e perfeitamente lúcida no parto, mas podem ter-me posto alguma coisa na epidural) e e penso que só podem ter vindo de galáxias diferentes. Não é só terem traços físicos distintos ou gostos completamente díspares, é também a forma como reagem às coisas.

O pai partiu hoje para mais uma volta em de bicicleta ao Caminho de Santiago. Vais estar cinco dias fora, o que não é nada tendo em conta outras aventuras passadas que duraram mais tempo. Uma das filhas ficou na maior, nem sei se se terá dignado a pensar muito no assunto para além de facto 1: o pai vai estar fora, facto 2: eu fico com a mãe, tendo-se despedido dele como se o voltasse a ver ao final do dia. Para a outra, foi uma hecatombe e eu, que me custa tanto vê-la sofrer, prometi-lhe, enquanto pensava está-se mesmo a ver quem é que, das duas, vai ter mais problemas no futuro com desgostos de amor e amizade, que hoje à noite íamos jantar no sofá a ver um filme e que a deixava comer com as mãos. Portanto, vai ser uma festa nos próximos 5 dias.

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Hábitos

Sou a prova viva de que a teoria que diz serem precisos 21 dias para instaurar um novo hábito é uma grande aldrabice. Depois de 23 dias seguidos a vir aqui publicar qualquer coisa, mesmo que não tivesse nada para dizer, ou não quisesse falar sobre os grandes assuntos que me movem, ao 24.º dia pura e simplesmente esqueci-me. E no dia a seguir também. Não por falta de assunto ou porque não quisesse escrever uma palavrinhas sobre a minha primeira ida ao cinema pós-pandemia ou sobre o primeiro episódio de Scenes from a Marriage ou como a luta de uma amiga ocupou grande parte da minha segunda-feira, mas porque perdi o hábito quando já devia estar instalado (bah para as teorias da treta). E isto chateia-me, mas há coisas piores e vou prosseguir como se nada fosse.

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