Viver devagar

Não me posso queixar do tempo que tenho. Posso não ter tempo para actualizar o blogue todos os dias, ou para costurar tudo o que quero ou ainda para ler todos os livros que quero, mas tenho tempo para ir ao ginásio, tenho tempo para as ir buscar à escola, tenho tempo para lhes dar banhos demorados e lhes ler histórias à noite, tenho tempo para cuidar da horta (mesmo que isso signifique levantar-me primeiro do que toda a gente).

Ainda assim, com todo este tempo nas mãos, muitas vezes sinto que nunca paro. Será um defeito ou uma qualidade isto de não conseguir estar quieta, isto de achar um desperdício de tempo passar a tarde de domingo em frente à televisão, isto de odiar aqueles almoços de família intermináveis que juntam o almoço ao lanche ao jantar, isto de ver uma série ao serão sempre a fazer qualquer coisa, seja a dobrar meias, seja a fazer crochet, seja a debruar mantas de retalhos? O pior é que tendo para o queixume. Porque mesmo não parando quieta por opção, não consigo deixar de amaldiçoar a roupa que ainda tenho para estender às onze da noite.

A minha visita aos nossos amigos polacos e a minha observação de como encaram a parentalidade e as tarefas domésticas inerentes a um agregado familiar de seis pessoas (cujo post tarda, mas não está esquecido) despertaram em mim uma maior consciência do queixume típico de tantos portugueses que conheço. E do meu também, claro. Aquele queixume que nos leva a dizer, a um domingo, “Já sabes, a correria do costume” em resposta a uma pergunta tão simples “Como vais?”. Mas porquê? Porque é que gostamos tanto de nos vangloriar de andar sempre a correr? Desde quando é que o maior sofredor é o mais feliz? Desde quando é que precisamos de competir pela infelicidade de não termos tempo para fazer tudo o que queremos?

Curiosamente, numa daquelas coincidências que a vida nos presenteia às vezes, comprei o livro “Viver devagar” da Maria Cordoeiro, autora do blog seismaisdois, que saiu no início do mês, e logo nas primeiras páginas leio esta frase:

Ninguém pára para pensar que esse tempo, que dizemos não ter, é tempo de vida que perdemos.

Também acho. O tempo que nos passamos a lamentar é tempo que perdemos sem fazer nada de proveitoso. Além disso, quanto mais dizemos que não temos tempo ou que andamos sempre a correr, mais acreditamos que é verdade. E, por isso, nunca chegamos ao ponto de “repensar” o nosso tempo, como diz a Maria.

No meu caso, urge repensar o queixume e a forma como encaro e rentabilizo o meu tempo. E urge ler este livro que já me cativou logo nas primeiras páginas. Acredito mesmo que é possível viver a vida mais devagar e sem queixume. Só gostava de conseguir coordenar pensamentos com acções. Tenho a certeza que, assim, pararia de me queixar.

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Leituras de 2017 #1

Já vamos em Maio e tenho, nada mais nada menos, 12 livros lidos de que vos quero falar. Serão 13 por altura de ter acabado esta série de posts. Não percamos mais tempo, então.

0. 19Q4, Haruki Murakami
Este livro não conta para a contagem de 2017 porque o comecei a ler em 2016. Foi com ele que passei o ano, figurativamente falando, e não podia haver melhor companhia, Já tinha falado dele aqui. Melhor, só mesmo lendo o livro.

  1. O centenário que fugiu pela janela e desapareceu, Jonas Jonasson
    Já por duas vezes tinha tentado ler este livro. Isso não é lá muito abonatório, pensarão vocês. Pois. A verdade é que não é um grande livro, sendo até mesmo um pouco tonto, mas tem a sua piada. A história é, no mínimo, insólita: no dia em que faz 100 anos, Allan Karlsson decide fugir e, por causa de um mal entendido na estação de autocarros, vê-se envolvido numa embrulhada de todo o tamanho. Vai-se a ver e o velho não é tão inocente assim, mas isso são outros quinhentos.
    2. Os Assaltos à Padaria, Haruki Murakami
    Depois da maluqueira sueca, precisei de voltar à loucura ordenada do mundo murakamiano (já alguém cunhou esta expressão?). “Os Assaltos à Padaria” faz parte da colecção do livro “Sono”, de que também falei aqui, mini histórias com ilustrações maravilhosas. Li-o numa hora e soube-me a pouco. Vale pela encadernação. Gosto de livros bonitos.
    3. Anjos Perdidos em Terra Queimada, Mons Kallentoft
    Um policial nórdico para desenjoar. Li o primeiro volume o ano passado e gostei. Este segundo volume estava esgotado em todo o lado e só o consegui encontrar através do OLX, tendo feito a transacção debaixo de um sombrio túnel de prédios em Almada. Não me entusiasmou muito ao início, mas no final tirou-me o sono. Passa-se num dos Verões mais quentes de que a cidade de Linköping tem memória, com as florestas em chamas e as adolescentes da cidade em perigo. É que primeiro uma adolescente foi encontrada num parque, nua e coberta de sangue, mas viva. Mas depois começam a aparecer mortas… E a inspectora Malin Fors vai ter de chamar a si todas as suas forças…

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O que ando a ler #5

Com estes que aqui apresento, li 14 livros (e meio) este ano. Não acho nada de mais, mas considerando que só comecei a ler o primeiro em Abril, acho que faz uma boa média. Gostava de chegar aos 20 livros lidos em 2017, mas tenho de pensar numa meta mais realista. Até lá, ficam aqui as minhas sugestões de 2016.
  1. Um homem chamado Ove, de Fredrik Backman
    Vi este livro no Instagram da Rafaela e pensei que tinha de o ler. Não conheço muito da literatura escandinava não policial, por isso fiquei logo com a pulga atrás da orelha. Comprei-o na primeira oportunidade e… gostei tanto! Ao princípio, dá a ideia de ser um livro cómico sobre um homem idoso zangado com a vida, que passa o tempo a resmungar contra tudo e contra todos, e que decidiu pôr termo à vida. A parte cómica está no facto de, por várias vezes, ser interrompido no preciso ato de suicídio. Ao passo que vamos conhecendo a personagem, percebemos o que está por trás da sua enorme zanga com o mundo e da sua decisão de o abandonar e começamos a acarinhar este homem carrancudo e a desejar-lhe um outro tipo de final feliz. Mas não se enganem, porque este livro não é um livro cómico sobre um velho rabugento. É, antes, um livro extremamente ternurento que ora nos faz rir, ora nos faz chorar.Resultado de imagem para um homem chamado ove
  2. A Desumanização, de Valter Hugo Mãe
    Valer Hugo Mãe, que outrora escrevia sem maiúsculas, dispensa apresentações. Não é, contudo, um autor para as massas. Digo isto não só por comparação com os autores para as massas, obviamente, mas porque já me cruzei com várias pessoas que, sendo leitoras de autores não para as massas, não o suportam. Acham, e cito de memória, “que carrega nos ombros todo o peso do mundo” e que é um prepotente da linguagem. Ora eu, por outro lado, acho que VHM tem poesia dentro de si e que manuseia a linguagem como um mestre para expressar toda a beleza (e também a tristeza, é certo) que vê no mundo. Este livro, em concreto, é passado na Islândia, e foi por isso que o comprei. VHM tem, como eu, uma paixão pela Islândia, tendo lá passado uma temporada, ou várias, não sei bem, e tendo-se baseado no folclore islandês para escrever esta história. E eu adorei. Por tudo: pelo cenário, pelo imaginário, pelos nomes tão islandeses, pela linguagem, pela poesia, pela tristeza, pelo peso do mundo que carrega nos ombros, pela beleza encerrada em cada palavra escolhida, por tudo e mais alguma coisa.
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  3. Sono, Haruki Murakami
    Murakami é um dos meus autores preferidos. Conheci-o quando vivia em Berlim, através do Bookcrossing, e li vários livros dele de uma assentada. Os meus preferidos são “A Sul da Fronteira, a Oeste do Sol” e “Kafka à Beira-Mar”. Perdi-me no universo fantástico de “Em Busca do Carneiro Selvagem” e fiquei anos sem o ler. Até que encontrei este livro na feira do livro e do disco do Avante. Já tinha falado deste livro aqui. Comprei-o principalmente pelas ilustrações que achei deliciosas. A história não é nada do outro mundo (é sobre uma mulher que passa 17 dias em dormir), mas serviu para voltar a querer mergulhar no universo Murakami.
  4. 1Q84, de Haruki Murakami
    E cá estamos, como não podia deixar de ser. Vai ser o livro que me vai acompanhar na transição de ano, pois ainda vou a meio e já hoje é o penúltimo dia do ano. 1Q84 retrata um 1984 paralelo (referência ao 1984 de George Orwell?), mas confesso que ainda não estou a perceber bem em que moldes é que isto se processa, por isso não me vou adiantar. Para quem conhece a obra de Murakami, não desilude, tem lá todos os pontos principais a que o autor nos habituou. A história é contada a duas vozes, a de Aomame, uma espécie de mercenária dos justos, e a de Tengo, um professor de matemática que se vê envolvido numa fraude literária. Segundo a sinopse, os dois destinos ainda se irão cruzar, mas ainda não cheguei lá. Estou desejosa de terminar o livro, porque há mais dois volumes desta história!

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O que ando a ler # 4

Estas foram as minhas leituras no fim do verão (podem ver as anteriores na rubrica #1, #2 e #3). Haverá mais uma rubrica até ao final do ano.
  1. O Silêncio do Mar, de Yrsa Sigurdardóttir
    Na rubrica #1 falei-vos de um outro livro da autora (“Lembro-me de ti”) que, apesar dos seus contornos fantasmagóricos, me prendeu do princípio ao fim como um bom livro de suspense. “O Silêncio do Mar”, o último livro da autora, editado em Portugal este ano, confirma o estilo da autora e a sua capacidade de escrever uma boa história, com um final surpreendente e um enredo original (que se passa, em parte, em Lisboa). Felizmente, esta história não mete fantasmas. Mas isso não é muito óbvio de início, o que me levou a preferir ler este livro durante o dia. Não era necessário, no entanto. Os fantasmas estão bem mortos lá no outro mundo (não é um spoiler, um policial tem de ter sempre um morto, certo?).
  2. Zero Waste Home, de Bea Johnson
    Não é um livro de ficção e não se pode dizer que o tenha lido todo. Este tipo de livros gosto de os ir lendo à medida das necessidades e de saltar os parágrafos que menos me interessam.
    A Bea Johnson foi a precursora do movimento lixo zero que já tem seguidores por todo o mundo. Neste livro, ela explica como consegue, numa família de 4 mais um cão, produzir apenas um frasco de lixo por ano. Dá várias dicas fáceis de seguir, outras nem tanto. Para quem tem interesse neste tema, é um livro obrigatório. Podem saber mais sobre ela aqui.
  3. A Amiga Genial, de Elena Ferrante
    Ora aqui está a autora sensação do ano. Elena Ferrante é um pseudónimo de uma escritora italiana que vive no anonimato. A descoberta, este ano, de pistas que indiciam a sua identidade (aponta-se para a tradutora Anita Raja) fizeram disparar as vendas desta tetralogia sobre a vida de duas amigas de um bairro de Nápoles: Elena e Lila. Mas este sucesso não foi inusitado, porque Elena Ferrante, seja lá ela quem for, escreve realmente bem, conquistando o leitor com histórias de mulheres cheias de força num mundo de homens. Como se diz neste artigo do Expresso, “as suas personagens habitam-nos, e já não temos direito ao que éramos.” É mais ou menos isto. A tetralogia começa com “A Amiga Genial”, seguindo-se de “História do Novo Nome”, “História de quem vai e de quem fica” e “História da Menina Perdida”. Tenciono ler todos em 2017. Recomendo que façam o mesmo.

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O que ando a ler #3

Já faz algum tempo que não falo aqui das minhas leituras, mas não pensem que parei de ler – apenas diminuí um pouco a velocidade a que despacho livros. Já não os devoro, vou lendo. Não sei se é o frio ou os dias mais curtos, mas parece que agora o sono chega ao fim de menos páginas.
Relembremos, assim, o que andei a ler este Verão depois do #1 e do #2.
  1. Fechada para o Inverno, de Jørn Lier Horst
    Ainda não tinha lido um policial norueguês (Jo Nesbo, com os seus thrillers à americana, não conta), por isso não hesitei quando vi este livro em destaque numa feira do livro de Verão. Sendo um ex-detective da Polícia norueguesa, pode dizer-se que Horst sabe o que escreve e neste policial aborda ainda questões sociais preocupantes da realidade norueguesa, como a imigração e a vaga de roubos cometida por imigrantes ilegais dos países vizinhos de Leste. Ainda assim, faltou qualquer coisa a este romance. Talvez um pouco de emoção, ou de sentimento, não sei explicar. Foi bom conhecer, mas sem grande vontade de aprofundar.

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  2. A verdade sobre o caso Harry Quebert, de Joël Dicker
    Confesso: não me puxou logo de início e temi pelas 600 páginas que tinha à frente. No entanto, a grande estima que tenho pela pessoa que me recomendou este livro fez com que insistisse e foi o melhor que fiz, porque adorei! É um livro genial, com uma escrita límpida e uma história tão bem entrelaçada que nos prende até à última página. Mesmo com as constantes analepses e prolepses e o número aparentemente infindável de personagens nunca me senti perdida. Mais ou menos a meio do livro, perguntaram-me se não era um livro chato. Talvez seja o que se pense automaticamente de um livro com 600 páginas. Mas, garanto-vos, não é. E fiquei com muita vontade de ler mais obras deste escritor suíço.
    Para aguçarem o apetite, podem ler esta entrevista ao escritor.

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  3. Sangue Vermelho em Campo de Neve (Inverno), de Mons Kallentoft
    Policial escandinavo sim, policial escandinavo não – foi mais ou menos assim este Verão. Era chegada, então, a vez da série sueca composta por cinco livros que abrange as quatro estações do ano mais uma (“Inverno”, “Primavera”, “Verão”, “Outono” e a “Quinta Estação”), todos protagonizados pela detective Malin Fros.
    Posso dizer que foi o primeiro policial (sueco ou não) que li onde a linguagem assume uma importância primordial. Em parte, esta narrativa é algo poética. Se, ao início me irritou (acho que por não estar habituada a superficialidades neste tipo de ficção), depressa comecei a gostar e a aceitá-lo como uma forma de entrar na cabeça de Malin Fros. Um livro extremamente bem escrito, com uma história sólida e cheia de suspense. Recomendo e tenciono ler o resto da série. A seu tempo. Gosto de adiar o prazer, além de que ainda tenho alguns livros na fila.

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