Fez ontem um ano que o vírus entrou no meu país. Para a vida ter dado um volta de 180º faltariam uns poucos dias. Desde então, tudo mudou, a rotina, a forma como trabalhamos, como aprendemos, como nos relacionamos; a língua ganhou novos vocábulos; as pessoas ganharam medo e perderam liberdade.
A rotina que, ao princípio, deixou de o ser, voltou a ocupar o seu lugar, adaptada, ainda que todos julguemos que seja apenas temporariamente. Mas, em casa, sem a novidade que a convivência com outras pessoas traz, é fácil sentir que os dias se colam uns aos outros, que não fazemos nada de novo, que não há nada que nos inspire, que nos motive a seguir em frente, a ter ambições, a experimentar coisas novas, porque nos agarramos com força ao que já conhecemos com medo de que também isso nos seja tirado.
Leio por aí gente que começou a escrever diários com o confinamento, a contar os dias numa tentativa de se manter à tona. A maior parte irrita-me, são tão prepotentes, cheios de juízos de valor disfarçados. Julgam-se melhores do que os outros, ou então sou eu que tenho tendência para me sentir sempre diminuída, também é possível. Há exceções, claro está, como esta alemã que todos os dias deixa o registo dos seus dias numa casa cheia, numa terra pacata perto de Hamburgo, e que, apesar de um ou outro link afiliado, não é agressiva, nem arrogante, e dou por mim todos os dias à espera de que ela publique o seu diário (ela também mostra como perder um filho ao quinto não custa menos lá por já ter quatro), apesar de sentir que ela o faz por e para si, para não se perder no meio de dias que parecem iguais, para deixar uma marca para os seus filhos, para se lembrar de como, afinal, até foi feliz quando, no momento, achava que não.
Talvez me fosse útil fazer o mesmo. Vou ensaiar.
Diário 02.03.2021
Acordei às 7:30. Pela primeira vez em semanas, sinto que repousei mesmo. Tomo banho, visto-me e preparo papas de aveia com frutos vermelhos para mim e para as miúdas. O Tiago nunca come de manhã. Antes de sair para o escritório, chateamo-nos, o que já não acontecia há bastante tempo. Tento fazer logo as pazes, mas não sei se consigo; de qualquer forma, marca o tom para o dia, preciso de me esforçar para sair da espiral.
No escritório, despacho uma série de pedidos de tradução pequenos antes de me dedicar aos termos e condições de um contrato. Odeio traduções jurídicas, mas este cliente paga bem.
Vou almoçar por volta das 13, porque a Inês hoje tem aulas até tarde. O Tiago faz hambúrgueres com ovo estrelado – para a Alice tem de ser “sem ranho” – e salada, e ainda arroz para elas. Hoje, estou no último dia de introdução dos oligossacarídeos, pelo que tenho de comer um alho e meio, frito juntamente com o hambúrguer. É delicioso e não me causa sintomas.
Não podemos molengar ao almoço, porque hoje a Alice tem aula de leitura um pouco mais cedo. Arrumo a cozinha e volto para o escritório. Adianto uma série de coisas e trato da contabilidade, para entregar as despesas de Fevereiro à contabilista. Foi um mês sem grandes despesas, é rápido. Dou o dia de trabalho terminado por volta das 16:30. As meninas querem ir dar uma caminhada, como ontem, mas eu e o pai temos de ir ao supermercado. Demoramos algum tempo e, quando regressamos (elas ficaram a brincar com os primos), já começa a escurecer e ponho-me a tratar da sopa. Como ainda estou meio aborrecida, abro uma exceção e bebo o resto do vinho do fim de semana. É só um copo, mas relaxa-me.
Temos 9 ovos cuja data de validade já passou. Vejo se ainda estão bons e faço uma quiche sem farinhas nem natas, com base nesta receita. Já é a terceira vez que a faço e corre sempre bem. Meto o que houver no frigorífico; desta vez, meti muita cebola (comer três quartos de cebola de uma vez é dose!). Por via das dúvidas, as miúdas comem outra coisa, não vão os ovos fazer-lhes mal.
À hora de deitar, zango-me com as miúdas. Ficam sem história. Caramba, começo o dia chateada, acabo o dia chateada; fecha-se o círculo, pode ser que amanhã corra melhor. Vou para a cama mais cedo, hoje não me apetece ver nenhuma série. Ponho os fones e acabo de ver os 15 minutos que faltavam do documentário A Febre Ferrante. Invejo a tradutora norte-americana, Ann Goldstein. Poça, uma tradutora que dá autógrafos?! Leio um pouco do meu thriller alemão; estou a gostar bastante. Antes de adormecer, lembro-me de que o meu tio faria anos no dia seguinte. Faço uma nota mental para telefonar à minha tia. Adormeço por volta das 23:00.
(Considerações depois de escrever isto: (1) é demorado e (2) tive de fazer um esforço para me lembrar de algumas coisas que fiz ontem…)