Sempre que eu ou uma das minhas filhas fica doente ou se aleija, a minha mãe pergunta-me: «Então, filha, como foste arranjar isso?». Já estou muito habituada a ouvi-lo e não devia ligar, mas a verdade é que entendo sempre uma nota de acusação por trás da pergunta. Não é um «Então, filha, como é que isso aconteceu?», que seria algo perfeitamente adequado no contexto de uma lesão, perna partida ou fractura exposta. Também não é um «Então, filha, onde é que apanhaste?» ou «Quem é que te pegou?», no caso de qualquer doença infecciosa e contagiosa. Não. É mesmo um «Então, filha, como foste arranjar isso?» ou na variante também muito comum «Então, filha, como é que fizeste isso?», o que, francamente, não deixa grandes margens para dúvida de que a grande culpada sou eu, mãe negligente e desastrada que se deixa infectar com covid e ainda infecta as filhas. Uma vez, disse-lhe que me sentia incomodada com o tom de acusação, ao que ela, ressabiada, se escudou logo com «é só uma maneira de dizer».
Agora que apanhei covid, mais de dois anos depois de a doença ter chegado a Portugal – já ter conseguido fintar a doença durante tanto tempo foi um feito -, a minha mãe voltou à sua velha «maneira de dizer». Eu, grandessíssima burra, que me deixei infectar numa viagem que nem queria fazer, porque gosto de andar aos caídos pela casa de lenço na mão e nariz a pingar, cansando-me só de estender a roupa e sem paciência para nada. Há gente assim, fazer o quê, é pespegar-lhes com um autoteste pelas ventas para ver se acordam para a vida.
À minha filha mais velha, que tem o dom da inconveniência e da perspicácia, o que nem sempre joga bem, não me apeteceu explicar que a relação entre mães e filhas nem sempre é fácil, porque cada uma acha que tem sempre razão. Infelizmente, acho que ela há de lá chegar sozinha.