Às vezes, apetecia-me fumar. Pegar num cigarro e num copo de vinho e ir para o quintal descomprimir da semana. Não é do fumar em si de que tenho saudades. É da escapatória que gosto. De ter uma desculpa para escapar a um frete ou para adiar arrumar a cozinha. De ter aquele momento no escuro da varanda antes de baixar o pano da semana que passou. Hoje, é um desses dias em que me apetecia pegar num cigarro, abrir uma garrafa de vinho e sentar-me sem pensar em nada, a desenhar bolas de fumo no ar.
Faz hoje um ano que. Na verdade, começa a fazer hoje um ano que. Foram quatro dias de uma espécie de trabalho de parto a solo, portanto vai de hoje a terça. Um casamento cigano. Mas sem alegria. Tenho de definir uma data na minha cabeça, dizer para mim, foi naquele dia, não foi de xis a xis, que isso eu não aguento. Nem eu nem a garrafeira cá de casa.
Nos meses que se seguiram, bebi muito vinho. Houve uma altura em que bebia todos os dias e, às vezes, era uma garrafa só para mim. Foi uma fase, normal, acho, mas tiveram de me dizer, Olha, estás a beber muito. Não que eu não soubesse. Mas se ninguém notasse, era porque ainda não fazia mal. Se fumasse, também iria fumar muito. Tem de haver excesso para compensar a falta.
Quando estava a escrever sobre a minha perda, fui reler os textos que escrevi na altura e não publiquei. Num deles, encontrei uma referência à minha filha mais nova do último dia em que fui às urgências (foram dois). Tivemos de levar as miúdas connosco, porque era demasiado cedo para pedir a quem quer que fosse que ficasse com elas. Assim como assim, eu tinha de entrar sozinha no hospital por causa da covid. Então, fomos todos em romaria e eles ficaram no carro à minha espera. Uns dias depois, a Alice, a quem dissemos apenas que a mamã estava com uma dor de barriga muito forte, contar-me-ia uns dias depois que, enquanto esperava por mim, fez toda a espécie de conjeturas sobre a razão que me teria levado às urgências tão cedo a um sábado. Quando lhe perguntei se me podia dizer exatamente o que é que tinha pensado, respondeu: “Por exemplo, pensei que tinhas ficado surda de repente, ou então que tinhas começado a ser alérgica ao sushi”.
O dia em que deixarmos de ter motivos para rir, também não há vinho que nos valha.