Gémeas falsas

Às vezes, custa-me a crer que ambas as minhas filhas tenham mesmo nascido de mim (apesar de eu estar acordada e perfeitamente lúcida no parto, mas podem ter-me posto alguma coisa na epidural) e e penso que só podem ter vindo de galáxias diferentes. Não é só terem traços físicos distintos ou gostos completamente díspares, é também a forma como reagem às coisas.

O pai partiu hoje para mais uma volta em de bicicleta ao Caminho de Santiago. Vais estar cinco dias fora, o que não é nada tendo em conta outras aventuras passadas que duraram mais tempo. Uma das filhas ficou na maior, nem sei se se terá dignado a pensar muito no assunto para além de facto 1: o pai vai estar fora, facto 2: eu fico com a mãe, tendo-se despedido dele como se o voltasse a ver ao final do dia. Para a outra, foi uma hecatombe e eu, que me custa tanto vê-la sofrer, prometi-lhe, enquanto pensava está-se mesmo a ver quem é que, das duas, vai ter mais problemas no futuro com desgostos de amor e amizade, que hoje à noite íamos jantar no sofá a ver um filme e que a deixava comer com as mãos. Portanto, vai ser uma festa nos próximos 5 dias.

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O excesso compensa a falta

Às vezes, apetecia-me fumar. Pegar num cigarro e num copo de vinho e ir para o quintal descomprimir da semana. Não é do fumar em si de que tenho saudades. É da escapatória que gosto. De ter uma desculpa para escapar a um frete ou para adiar arrumar a cozinha. De ter aquele momento no escuro da varanda antes de baixar o pano da semana que passou. Hoje, é um desses dias em que me apetecia pegar num cigarro, abrir uma garrafa de vinho e sentar-me sem pensar em nada, a desenhar bolas de fumo no ar.

Faz hoje um ano que. Na verdade, começa a fazer hoje um ano que. Foram quatro dias de uma espécie de trabalho de parto a solo, portanto vai de hoje a terça. Um casamento cigano. Mas sem alegria. Tenho de definir uma data na minha cabeça, dizer para mim, foi naquele dia, não foi de xis a xis, que isso eu não aguento. Nem eu nem a garrafeira cá de casa.

Nos meses que se seguiram, bebi muito vinho. Houve uma altura em que bebia todos os dias e, às vezes, era uma garrafa só para mim. Foi uma fase, normal, acho, mas tiveram de me dizer, Olha, estás a beber muito. Não que eu não soubesse. Mas se ninguém notasse, era porque ainda não fazia mal. Se fumasse, também iria fumar muito. Tem de haver excesso para compensar a falta.

Quando estava a escrever sobre a minha perda, fui reler os textos que escrevi na altura e não publiquei. Num deles, encontrei uma referência à minha filha mais nova do último dia em que fui às urgências (foram dois). Tivemos de levar as miúdas connosco, porque era demasiado cedo para pedir a quem quer que fosse que ficasse com elas. Assim como assim, eu tinha de entrar sozinha no hospital por causa da covid. Então, fomos todos em romaria e eles ficaram no carro à minha espera. Uns dias depois, a Alice, a quem dissemos apenas que a mamã estava com uma dor de barriga muito forte, contar-me-ia uns dias depois que, enquanto esperava por mim, fez toda a espécie de conjeturas sobre a razão que me teria levado às urgências tão cedo a um sábado. Quando lhe perguntei se me podia dizer exatamente o que é que tinha pensado, respondeu: “Por exemplo, pensei que tinhas ficado surda de repente, ou então que tinhas começado a ser alérgica ao sushi”.

O dia em que deixarmos de ter motivos para rir, também não há vinho que nos valha.

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Pêra-melão

Fui fazer uma pequena caminhada com a mais nova depois da escola. Ela quis escolher o caminho. Cortámos à esquerda do talho do Sr. Manel e fomos dar às hortas, de onde seguimos pela casa que parece um palacete e pelo pavilhão. Foi sempre tagarelando sobre a escola e o menino com que partilha a carteira que se esquece do som das letras. Chegámos a casa batiam os 3 km no relógio. Ela regou o canteiro dela, eu reguei os meus e reparei que o arbusto da pêra-melão já tinha frutos amarelos. Olha, queres provar um? Pode ser, a que sabe? Deve saber a pêra, ou então a melão. Pois a mim sabe-me a pepino.

Será que fica bem na salada?

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Nova escola

Reunião na nova escola da Alice, que já era a escola da irmã. O facto de as duas passarem a frequentar a mesma escola vai, obviamente, simplificar bastante a nossa logística familiar – acabou-se o ATL, entram e saem as duas juntas; por outro lado, os trabalhos de casa ficarão por nossa conta, já não vai haver ATL para assumir essa parte, mas não é coisa que me assuste (muito).
Conheci a nova educadora da Alice, conheci a nova sala, percebi como vai ser a dinâmica. Respirei de alívio. Voltámos a algo que se aproxima da Escola Moderna, em que não há programa curricular anual elaborado no início do ano para seguir à risca, em que os alunos não são obrigados a andar fardados, em que as actividades do dia são decididas em conjunto – educadora e crianças – no próprio dia de manhã, em função dos temas trazidos pelas crianças e da dinâmica do grupo. A meu ver, é assim que o pré-escolar tem de ser e não podia ter ficado mais descansada com a decisão que tomámos.

 

(a fotografia foi um dos exercícios criativos propostos no livro Conscious Creativity da Philippa Stanton, que ando a saborear calmamente)

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Voltas da vida

Não gosta de confusões. Se temos a casa cheia de amigos, é frequente ir encontrá-la no quarto, sozinha, a fazer recortes ou a folhear um livro. Também não gosta que estranhos se metam com ela na rua. Eu acho (mas o pai não) que é avessa a mudanças, mas quando se ambienta é a palhaça de serviço. É extremamente sensível se é chamada a atenção ou se é o centro das atenções num ambiente menos conhecido e foi esta sensibilidade, a par de outras coisas, naturalmente, que nos fez decidir voltar a inscrevê-la no pré-escolar, na escola da irmã, apesar de fazer 6 anos ainda este ano. Até ontem, eu ainda não tinha percebido se ela sabia que não ia para o primeiro ano, ao contrário dos seus colegas, e, sabendo, se estava confortável com isso. Ontem calhou em conversa. Quase sustive a respiração enquanto deixei que o pai tomasse as rédeas à conversa e respirei fundo quando ela disse, com o ar mais condescendente do mundo, que sabe que não vai para a escola-escola, que vai só para a escola dos trabalhos e da brincadeira, mas sobretudo da brincadeira e que brincar mais um ano é mesmo o que ela quer.

Hoje, saiu a lista dos pedidos para novas inscrições. Não é ainda a lista dos pedidos aceites, mas frequentando a irmã a mesma escola, não me parece que vá haver problema. Seguir-se-á uma nova etapa das nossas vidas.

(Entretanto, quando voltou das férias do Algarve com os avós, disse-me que tinha tido saudades minhas, mas do que tinha mesmo mesmo saudades era da sua casa-de-banho. Bom, acho que podia ser pior.)

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