Sobrevivi, não foi preciso reanimar-me nem chamar a polícia marítima, o que anula o disposto anteriormente. Os meus escassos pertences continuam, portanto, na minha posse.
Não aconteceu a)
– ou seja, não entrei em pânico; não me assustei com os peixes nem com a floresta de algas nem com as manchas escuras lá ao fundo, que talvez fossem rochas, talvez não; não chorei, nem antes, nem durante, nem depois; não fiz figuras tristes, para além das esperadas de quem ainda não consegue regular a flutuabilidade, ora subo demais, ora bato com a barriga no fundo, ora fico a flutuar de lado, ora me viro e pareço um escaravelho que não se consegue voltar a endireitar, deve ter tido a sua graça, se eu pudesse, ter-me-ia rido;
mas também não aconteceu b)
– não me senti una com o ambiente aquático coisa nenhuma, porque estive demasiado concentrada em sobreviver. Se me perguntarem, não sei que peixes vi, tirando o sargo atrevido que me veio bicar a máscara, mas isto também pode ter sido tudo fruto da minha imaginação. Sei que às tantas tive frio e que me fartei de arrotar. Sei os exercícios que fiz bem e aqueles em que me atrapalhei, que superaram em número os primeiros. Tive um pequeno contratempo com o insuflador, que é o equipamento que regula as descidas e subidas controladas, mas resolveu-se, ou resolveram-no por mim, não teve consequências graves, além de uma dor de cabeça momentânea (porque, felizmente, estava a pouca profundidade) e não foi o bastante para me tirar a vontade de voltar.
O resto do dia, passei-o tranquila, sem aquela pressão no peito que senti da primeira vez. Afinal, lá em baixo, não há nenhum polvo gigante das Vinte Mil Léguas Submarinas para me apanhar. Os monstros estão todos acima do nível do mar, não é preciso inventar criaturas novas. Nem quando andei no meio das algas, a reboque do instrutor, que depois me disse que eu nadava como na natação (e então?) e ali não é para nadar como na natação, é para nadar como no mergulho (ah…), nem nessa altura tive medo. Ainda pensei, admito, que me podia aparecer pela frente alguma moreia feiosa com aqueles dentes saídos, mas foi um pensamento que veio e foi, tal como dizem que se deve fazer na meditação e eu nunca consegui.
O fundo do mar talvez seja o melhor sítio para praticar mindfulness. Não pensei em mais nada, além da minha sobrevivência. Inspira e expira, respira rítmica e calmamente. Segue o instrutor, faz o que te manda, executa os exercícios, repete, respira. Não pensei em trabalho, não pensei em compromissos, não pensei nas filhas, nem no marido, nem na gata, nem na mãe, nem nas listas, nem nas dores. Estive simplesmente ali. E, sempre que me atrapalhava, só tinha de parar e respirar. Parar e respirar. Talvez seja um bom conceito a pôr em prática à superfície.
E, no fim, já no barco, quando regressávamos a terra, passámos por uma família de golfinhos-roazes. Eram muitos, para aí uns vinte, havia uma cria. Parámos o barco e ficámos a vê-los. Fizeram as cabriolas que acharam que merecíamos ver, até se fartarem e desaparecerem nas águas fundas. Foi muito bonito e lembro-me de ter pensado, só pode ser um bom presságio para os restantes mergulhos que me esperam.
Ou não, porque estes golfinhos mostram-se muito por estas bandas, mas, bom, mal não faz romantizar um pouco.