Tenho tido alguns desgostos de amizade nos últimos meses. Pessoas de quem me considerava amiga que, de um momento para o outro, sem que nada o fizesse prever, deixaram de me considerar sua amiga. Colegas que me levavam no coração, me recomendavam e convidavam para tudo e mais alguma coisa e, de repente, foi um ar que se lhes deu. Já fiz e refiz na minha cabeça diálogos existentes e imaginados, já pensei no que posso ter feito, ou deixado de fazer, que os ofendesse, já avaliei o grau de plausibilidade de várias hipóteses que me surgiram, nestas minhas reflexões, sobre o que me levou a ser persona non grata, mas não consigo arranjar uma explicação. Não encontro ação em mim, praticada ou intentada, que pudesse ter posto em risco a nossa suposta amizade e não consigo apontar na linha cronológica uma data para um acontecimento a partir da qual as coisas tivessem mudado. Sinto-me uma idiota por não perceber aquilo que, para os outros, parece óbvio e, ao mesmo tempo, estou naturalmente magoada.
Quis o acaso que, por volta da mesma altura, começasse também a ser ignorada no restaurante aonde costumo ir buscar comida para o meu almoço, nos dias em que me falta tempo ou paciência para preparar a marmita ou, simplesmente, quando o prato do dia me agrada. Aconteceu mais vezes do que o desejável para quem paga e espera ser bem servido – ou simplesmente servido, como se verifica neste caso – esquecerem-se do meu pedido. Vou lá ou telefono e peço determinado prato para daí a uma hora e, quando o vou buscar, não encontram o meu pedido. Por vezes, conseguem convencer-me a conformar-me com o outro prato do menu, aquele que eu originalmente não escolhi por algum motivo que, para mim, é mais do que pertinente (como não gostar ou fazer-me mal), mas também já houve uma vez em que já não tinham nada para me servir. Passa uma pessoa uma hora a pensar no que vai comer ao almoço, descansadinha da vida porque tem a refeição assegurada e acaba por sair de lá com as mãos a abanar. Não me parece muito fixe que isto aconteça mais do que uma vez a um cliente regular, ou estarei a ser muito exigente?
Não falei com outros clientes e, portanto, não sei se o mesmo tem acontecido a outras pessoas e se resume, portanto, à terrível falta de organização do pessoal. Mas, acrescendo ao exposto nas linhas acima, não encontro outra justificação para que isto me ande a acontecer que não seja a de me ter tornado invisível. Ou talvez o tenha sido sempre. Terei certamente uma capa natural de invisibilidade à minha volta que me torna na pessoa que, estando lá, não está, nem faz falta.
Em retrospetiva, pensando na pessoa que sempre fui, isto faz todo o sentido. Sempre odiei ser o centro das atenções, não danço em público porque sou demasiado consciente do meu corpo, sinto vergonha alheia em demasiadas circunstâncias, prefiro grupos mais pequenos, odeio estar em multidão, sucede amiúde que não me oiçam à mesa de um jantar de grupo, estar sozinha não é coisa que me incomode, nem que me assuste, e deixei de fazer festas de anos porque tenho medo que as pessoas se esqueçam de vir. Passo facilmente despercebida e, se isso no meu trabalho é uma mais-valia, na vida pessoal é uma bela merda.
Devia ter ido para o clube de teatro da escola quando tive oportunidade.