Os encontros de família sempre me causaram alguma ansiedade, mesmo quando ainda era só a minha família. Havia sempre comentários sobre a minha roupa, ou o meu cabelo, ou o meu peso. Havia sempre quem puxava uma conversa que alguém não queria ter, havia sempre um comentário que ficava no ar, havia sempre demasiada comida e a obrigação de a consumir em sinal de boa educação. Eu era a mais nova e sofria por isso: era nova demais para participar em certas conversas, mas já não tão nova que pudesse fingir que não as entendia.
Hoje em dia, os encontros familiares continuam a causar-me alguma ansiedade, mas cada vez menos. Já não sou a mais nova, nem me destaco pelas roupas ou pelo peso. Já consigo relaxar à mesa mesmo sem saber quem vai calhar ao meu lado. Já ninguém repara se como, ou se gosto, ou se repito, e eu às vezes não como assim muito porque me distraio com a conversa. Tento disfarçar o que bebo. Às vezes, a conversa até é boa e nem me lembro de que, no ano anterior, não estava ali, no mesmo encontro anual, mas sim em casa, cheia de dores, a tentar distrair-me com um livro que não me ficou na memória.
No meio da conversa, que foi sempre boa, reparei, claro, no vinho que foi servido. E lembrei-me de, ontem, quando andava à procura de um vinho para abrir, ter visto uma garrafa igual cá em casa. Tratamo-nos bem.
Está aquele tempo entre o chove ou não chove. Por via das dúvidas, quando chegar a casa vou regar.