Quando comecei a trabalhar em tradução, os meus trabalhos eram revistos pela colega que estava sentada atrás de mim. Eu sabia sempre que ela começava a rever uma tradução minha, porque começava a ouvi-la bater com os pulsos no tampo da secretária. Aprendi a associar aquele batuque surdo a algum disparate meu, fruto de ingenuidade, inexperiência ou distração. Às vezes, crescia-lhe uma impaciência tal que o batuque era acompanhado por suspiros e lamentos contidos, que me iam chegando por trás, como que todo o corpo reunido em conluio, fazendo crescer em mim a mesma medida de ansiedade, sem que soubesse exatamente a que se devia ou o que podia fazer para melhorar. Lembrei-me disto porque há um novo estagiário no escritório ao lado do meu. Tem ar de ainda nem ter acabado o secundário e passa a hora de almoço na mesa de reuniões, a tratar de esvaziar a marmita que trouxe de casa na lancheira que desconfio não ter sido ele a escolher. Do pouco que conheço dos senhores do lado, penso que o vão tratar bem, por muitos disparates que faça no início, que o vão ensinar e ser pacientes. Também duvido que batam no tampo da mesa sempre que encontrarem algum disparate seu, não obstante, o rapaz veio munido de auscultadores. Ainda bem para ele.