Quando o cabelo era para mim uma insignificância, temíamos um bando de vândalos que roubavam mochilas, relógios e ténis aos miúdos à saída da escola. Corria o ano de noventa e dois. O líder do bando, um indigente que engravidara precocemente uma rapariga, era conhecido como O Corvo e foi um dia entrevistado pelo jornal da freguesia. Morríamos de medo do Corvo, como se este planasse sobre os pavilhões da escola à espera de nos abocanhar no curto trajecto até ao autocarro em que regressávamos a casa. Eu não sabia, nesse tempo, se era mais seguro correr para o autocarro, também repleto de malfeitores, em que um motorista louco seguia a cem à hora quase capotando nas rotundas, se seguir para casa a pé por um túnel em que um grafito me aconselhava a destruir as ondas e não as praias. O Corvo podia ver-nos sem que o víssemos, pensava eu. De vez em quando, lá se chorava mais uma mochila Monte Campo ou outro par de ténis Redley. Em dias piores, um desgraçado de dez anos era mandado nu para casa. Nos intervalos das aulas, os miúdos corriam às traseiras dos pavilhões ao grito de «está ali o Corvo!». Nunca vi ninguém, contudo.
Ainda não sei o que pensar de Esse Cabelo, da Djaimilia Pereira de Almeida, mas este parágrafo é um relato fiel de um dia normal na C+S nos arredores da Grande Lisboa que frequentei nos anos 90. Caramba, até me arrepiei.