Páscoa

Nunca liguei muito à Páscoa. Em criança, esta altura era sinónimo de tigelas cheias de amêndoas que eu nunca comia ou folares desengraçados com aquele ovo no centro que nunca ninguém queria; significava também aquela interminável manhã de domingo em que os desenhos animados eram substituídos pela Eucaristia, com aquelas imagens lúgubres de Cristo na cruz, aquele coro enfadonho de vozes a repetir as mesmas ladainhas que me deprimiam, aquelas procissões na aldeia que me metiam medo. A Páscoa, por oposição ao Natal, era triste e pesada; morte ao invés de nascimento; não havia prendas e nem sequer os doces eram bons. A única Páscoa que teve sentido para mim, já crescida, ainda antes de ser mãe e de ter mandado vir o coelhinho da Páscoa, passei-a sozinha, no meu T1 em Berlim, a reflectir seriamente sobre se não teria chegado a altura de dar por terminada a minha vida de emigrante e regressar ao meu país.

Hoje em dia, a Páscoa continua a não ter grande significado para mim. Não sendo religiosa, é-me difícil dar a esta época outra importância que não mais uma possibilidade de reunir a família (mesmo que com restrições, pelo segundo ano consecutivo), e de repetir tradições: a caça aos ovos na manhã do domingo de Páscoa, o folar de erva-doce que nos chega da terra e que eu aprendi a apreciar, o Porto para aconchegar o cabrito que se desfaz na boca.

Este ano, continuámos confinados, mas com Sol e cheiro a Primavera bem entrada. Eu de camisa branca fina a roçar-me ao de leve na pele, ele de óculos escuros e barba de quarentena, elas com os seus fatos domingueiros, mãos sujas das brincadeiras na terra e a pele picada por bichos invisíveis, aproveitámos a tarde, felizes por estarmos juntos, expectantes pelo desconfinamento que se avizinha e as pequenas vitórias de liberdade que estamos ansiosos por saborear (uma esplanada, uma livraria, um almoço com um casal amigo). Vamos ver por quanto tempo, há sempre alguém mais pessimista que vaticina, mas eu já só penso no Verão. Até lá, tenho um novo livro para traduzir, uma nova horta para tratar, uma nova pérgula para montar e três meses inteiros de primavera à minha frente.

Foi uma boa Páscoa.

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