Primeira semana de aulas online. Tudo correu bem: o material informático não falhou, os links para o Zoom estavam todos certos, conseguimo-nos equilibrar sob a fina corda que liga a miríade de plataformas e apps que nos foram sugeridas para entregar trabalhos, entregámos a horas o que era pedido, incluindo coisas simples e rápidas de fazer por miúdos em aulas online e pais trabalhadores, tais como pesquisas sobre lendas e ativistas dos direitos humanos e uma carteira feita a partir de uma embalagem de leite, executada unicamente pela aluna, claro, sem ajuda nem orientação do encarregado de educação, como é óbvio. Check.
Final do dia de sexta-feira: sentimento de dever cumprido, vai de abrir uma garrafa de tinto para comemorar termos chegado ao fim de uma semana que mais pareceu um mês e o que é que acontece? Uma notificação de e-mail. E logo a seguir outra. Os professores, que não nos deixam esquecer que desta vez até se prepararam bem e já dispõem das infraestruturas necessárias: Senhores encarregados de educação, aqui estão os planos de aulas para cumprir a partir de segunda-feira, não obstante ser sexta e a malta só querer esquecer o mês que passou nestes cinco dias, não senhores, tenham um bom fim de semana, se conseguirem. E eu, de copo de vinho na mão, sabem o que fiz? Pois nada, fechei a aplicação do e-mail e fui-me entreter nas redes sociais, mas cada vez me entretenho menos; em vez disso, o que aconteceu foi que me inquietei ainda mais.
Inquietei-me com as redes sociais e com as pessoas que as frequentam mais a sua merda de perguntas a que ninguém quer responder e as suas opiniões que ninguém pediu. Onde compraste o casaco? E a mala? E o batom? E a receita, dás-me? Eu cá não concordo. És uma mãe esforçada, só é pena que isso não chegue. Inquietei-me com as fotografias filtradas de pais satisfeitos a fazer pão de sete cereais com os seus muitos filhos reluzentes. Inquietei-me com os diários de confinamento que mais parecem testamentos para os quais não há saco. Inquietei-me com a fertilidade das outras que as leva a terem filhos uns atrás dos outros como se fosse só estalar os dedos.
Depois, inquieta-me que isto me inquiete, porque eu devia era ficar feliz que os outros consigam aquilo que me escapou das mãos, e sinto-me uma má pessoa, rancorosa e ressentida, incapaz de sentir ternura com fotografias de irmãos que poderiam ter sido os meus três, duas meninas, um menino, todos tão parecidos uns com os outros, ou então não, porque a do meio não se parece com ninguém. Inquieta-me a culpa que sinto por sentir isto e inquieta-me que tenha de reprimir a vontade visceral de virar a mesa em que estou a fazer o puzzle para me acalmar ao invés de ir acabar a garrafa de vinho, sentada atrás da porta da casa de banho, a encher-me de pena de mim enquanto relembro mil vezes o que aconteceu e me pergunto, como se soubesse a resposta, porque haveria de me acontecer aquilo a mim. Depois recalco para não me tornar repetitiva, o que também me inquieta.
Dava-me jeito o dinheiro, mas está visto que, se calhar, está na hora de voltar ao psicólogo.