Não tenho um discurso político, nunca tive. Houve uma altura em que me militei num partido, depois de ter andado nas ruas a recolher assinaturas para a constituição do mesmo partido e de ir a reuniões e conhecer gente com um discurso político muito mais sistematizado e enraizado do que eu. Acabei por deixar o partido, porque não tenho perfil para ações políticas. Não vou normalmente a manifestações; talvez tenha ido a duas ou três em toda a vida. Sou pouco revolucionária, e quando digo pouco, na verdade, o que quero dizer é nada. Às vezes, penso que tipo de pessoa seria se tivesse vivido o período pré-25 de Abril. Seria como o meu pai, que distribuía panfletos do Partido Comunista na clandestinidade, ou mais como a minha mãe, que mesmo não gostando, calava e comida, com a fotografia de Salazar na parede da sala de aulas a vigiar-lhe a conduta?
Ainda assim, não é preciso ter um espírito subversivo para ter convicções e eu soube que era de esquerda numa aula de História do 12.º ano. Nesse dia, ao jantar, anunciei aos meus pais: eu acho que sou de esquerda, o que é que vos parece? O meu pai, a quem eu, na altura, ainda desconhecia o histórico da luta, engasgou-se. Conversámos sobre isso, acho que o deixei orgulhoso.
Com o passar dos anos, mantenho as minhas convicções, sou de esquerda, sem no entanto me cingir a este ou àquele partido, mas não discuto política. Primeiro, porque não sei discutir política. Segundo, porque me enervo. É o mesmo com as touradas. Sendo um assunto que me desgasta tanto, optei por deixar de falar sobre isso. Em casa, digo às minhas filhas que é uma barbárie, mas na presença de outros adultos com opiniões contrárias à minha, opto por não aprofundar a conversa. Cobardia? Talvez. Autopreservação? Sem dúvida. Qual é a minha contribuição para acabar com as touradas? Assim, de repente, não vejo nada para além de educar duas mulheres na mesma linha de pensamento que eu. E isso já é muito.
No entanto, há um dia em que aparece um partido assumidamente de extrema direita em Portugal e que ganha uma representação tal nas eleições que não há como não o sentir como uma ameaça. Uma ameaça à liberdade, à tolerância, à união entre os povos, ao amor, à forma como as mulheres são vistas (e nem sequer estou a falar de feminismo, estou mesmo no nível mais básico de todos), à paz. E as coisas começam a mexer cá dentro.
Passei o dia todo desconfortável, no rescaldo das Presidenciais, a digerir a situação de viver num país em que 468.732,99 pessoas votaram no fascismo. Mais de mil na freguesia onde vivo. Estas pessoas não podem simplesmente ser todas burras e iletradas, e também não acredito que fossem todos votos de protesto. O Vitorino Silva servia muito bem para voto de protesto e é mais inofensivo. Mas será que estas 468.732,99 pessoas têm noção de que votaram no racismo, no machismo, na xenofobia, na homofobia, no poder policial absoluto, na prisão perpétua (pena de morte, olá?), será que conhecem suficientemente a História, será que não sabem que Hitler, antes de fazer o que fez, também dizia o que as pessoas queriam ouvir, também “até dizia umas verdades”?
Pensei, durante o dia de hoje, no que é que eu posso fazer mais para mudar tendência, sem ser com o meu voto que, apesar de ser extremamente importante, só conta de quando em quando. Posso, claro, usar as redes sociais, posso usar este blogue, mas também posso começar a militar por um mundo melhor na minha esfera pessoal. E talvez a minha atitude para com as pessoas com que lido pessoalmente seja mais importante do que palavras atiradas ao ar no Facebook. Oiço tantas vezes expressões racistas, umas em que as pessoas nem se apercebem de que o estão a ser, outras que são mesmo propositadas. Decidi que não me vou calar mais. Não custa nada ir fazendo uns reparos inofensivos “não fales assim das pessoas”, “não digas preto”, “as pessoas não são macacos”, e entrar numa discussão pacífica, deixando clara a minha opinião, não me calando, mas sem sacar das pistolas. Não é preciso ser aborrecida e insistente, não é preciso enervar-me, mas também não é preciso continuar calada, como se nada disto me afetasse.
Por isso, a minha primeira ação por um mundo melhor vai ser deixar-vos aqui o link para um podcast sobre racismo que ouvi há uns meses e que me deixou uma marca profunda. O podcast tem muito que se lhe pode apontar, há maneirismos quer do entrevistador quer da entrevistada que é preciso ignorar, e haveria muito mais a explorar sobre o tema, mas eu desconhecia alguns dos conceitos abordados e fiquei muito mais desperta para a questão do racismo. Independentemente de vos deixar desconfortáveis, de não concordarem com tudo, de não se reverem, acho que deviam ouvir e/ou ver a entrevista do Diogo Faro à Nuna. Aqui ou em podcast.
Não passarão.