Custa-me a crer que sou repetitiva. Não falo sempre da mesma coisa, mas sou uma pessoa de paixões. Quem me conhece nas redes sociais sabe que nutro uma profunda paixão por determinadas bandas. Os Ornatos Violeta, que apareceram na minha vida há 20 anos, são uma delas e consigo ser bastante cansativa entusiasta a falar deles.
Ontem, fui vê-los a um Campo Pequeno a abarrotar de vozes em uníssono e braços no ar. Chegou a ser comovente; acho que a banda também achou isso. Uma pessoa ao meu lado chorou durante a “Deixa morrer”. Eu não cheguei a tanto; estava demasiado ocupada a ser feliz.
Há 20 anos, vi-os pela primeira vez num showcase na antiga Valentim de Carvalho no Chiado, quando ainda havia lojas de música com três pisos. Lembro-me de ficar rendida com a simplicidade e a energia do grupo. O Manel levava uma t-shirt com um buraco na manga, mas não fazia mal, porque já na altura ele tolerava mal estar de tronco vestido durante os concertos. Poucos anos depois, acabaram. Não voltei a vê-los ao vivo senão em 2012, num reencontro brutal no Coliseu. E depois no Alive, este ano, aonde foi só mesmo para os ver (nós a sairmos do recinto e malta a entrar para os The Cure). E ontem, que é capaz de ter sido o último concerto deles que vi.
Estou bem com isso. Sou daquelas pessoas – na verdade, a única que conheço – que acha que uma banda devia acabar antes de ficar aborrecida ou de editar álbuns elegíveis de passar na Comercial cinquenta vezes por dia (eu sei, sou ligeiramente pedante no que toca a música). Mas só assim o culto se mantém intacto, inocente, autêntico. E no caso dos Ornatos pode-se falar de um verdadeiro culto.
Foi muito bom. Tive momentos em que achei que a acústica não estava boa, em que parecia que eles se enganavam nos acordes, em que sentia que as vozes da multidão cantante abafavam a voz do Manel, mas acho que foi só ansiedade por medo de ser um concerto menos que perfeito (costumo ter ansiedade no início de alguns concertos muito aguardados; há mais alguém assim?). Mas a banda não falhou em nada, fosse na energia e na entrega durante o concerto, fosse no carinho e no assombro com que regressaram ao palco três vezes, a última já não ensaiada. Tocaram quase todas as músicas do Monstro, muitas do Cão e várias do Inéditos, inclusivamente a “Tempo de Nascer”, que eu nunca tinha ouvido ao vivo.
Nós, sempre tão gratos por eles existirem, cantámos até nos falhar a voz e despedimo-nos, muito a custo, mas de sorriso nos lábios, com um emocionado “Até sempre”.