Não sei porque escrevo, se é que se pode chamar escrever ao que faço. Já houve uma altura em que a escrita era uma parte indissociável dos meus dias; assim como comer, ou dormir, eu tinha necessidade de escrever. Enchia cadernos, uns atrás dos outros, com a descrição dos meus dias, pensamentos, contos e estórias que nunca cheguei a acabar. Encontrei-os no outro dia, em casa dos meus pais, quando procurava outra coisa qualquer. É sempre às cegas, quando menos esperamos, que encontramos as coisas que perdemos e as que julgávamos não precisar de encontrar. Sentada em cima da cama que já foi minha, reli alguns contos na diagonal, à pressa, com medo de ser surpreendida por uma das minhas filhas que viesse inquirir por que razão demorava a mãe e tivesse de lhes explicar, e, no pior cenário, ler (deus me acuda!), o que tanto a mãe escrevia quando era mais nova. Outros, incluindo os cadernos-diários, que me pareceram dignos de leitura atenta, levei-os comigo para casa. Foi inevitável não revirar os olhos perante a inexperiência e infantilidade em alguns rascunhos. Outros não estarão maus, mas é gritante a influência de autores que estaria a ler no momento. Tive sempre alguma tendência para absorver os modos dos outros, como se neles procurasse a minha voz, como se não pudesse ser eu mais do que uma amálgama daquilo que há nos outros.
Há pouco tempo, e não pensem que exagero quando me refiro ao curto espaço temporal que separa estes dois acontecimentos, comecei a sentir uma grande vontade de escrever, de me rodear de cadernos sobre tudo e mais alguma coisa como fazia quando vivia sozinha, quando os meus dias ainda tinham espaços em branco que podiam ser preenchidos com exercícios criativos dos mais variados graus de futilidade. Em contrapartida, hoje em dia, que já não vivo sozinha, todos os minutos contam – e são contados e preenchidos com tarefas úteis e necessárias para garantir o bom desempenho nas diversas áreas em que me movo. Em relação directa com isto, a escrita é, claro está, relegada para último plano. A última entrada do meu caderno-diário data de julho e quando não me quero esquecer de alguma citação que li num livro, em vez de a anotar, tiro uma foto com o telemóvel, acreditando que não vai ficar esquecida no meio de dezenas de fotos de gatos, comida e crianças. O meu blog, que não sei por quem é lido, pouco alento me dá. Há uns meses percebi que o que me dava mais jeito (e sentido) era enchê-lo com imagens e frases curtas para tentar mater um fio condutor sem perder muito do meu precioso tempo. Na minha cabeça, continuam a rodar sempre as mesmas histórias, mas como nunca lhes encontro um fim, também não lhes dou forma no papel. E assim vão passando os dias, sem pouco ou nada escrever.
Posto isso, não sei porque me inscrevi num curto de escrita de romance com um dos meus autores portugueses preferidos, não sei o que vou dizer na descrição de apresentação (Olá, eu sou a M. e enganei-me na sala?), nem muito menos sei o que raio vou eu escrever, ou – talvez mais pertinente – como vou eu arranjar tempo para escrever. Só sei que vou, porque já paguei e não sou pessoa para me acobardar ao último minuto. Eu saltei para o mar para ver o tubarão-baleia, caramba. Pior do que isso não deve ser.
Perante tudo o que não sei que vou dizer ou escrever, há algumas certezas que tenho. Como por exemplo:
Coisas que sei que não vou dizer:
– Ups, enganei-me na sala…
– Não sei bem como vim aqui parar…
– “Isto não está lá muito bom” (antes de ler seja o que for que escrever – só se me obrigarem, claro está).
– Gosto tanto dos seus livros, dá-me um autógrafo?
Coisas que sei que vou dizer:
– Olá, eu sou a M… Er… Não, está certo. O nome está certo, não falta nenhum “c”.
Porque há histórias cujo início já foi escrito há muito tempo.
1 comentário
OLá Monia,
Sempre que posso dou um saltinho aqui, e leio com muito interesse tudo o que por aqui escreve.
Escreve tão bem, que esse curso de escrita vai ser “canja” 🙂
Vai de certeza correr maravilhosamente e vai por em pratica tudo o que aprendeu.
Vai com toda a certeza arranjar tempo para escrever, tal como “tira” tempo para ler, ouvir música etc.
O tempo da escrita virá.:) LOL
Bjs