Esta sou eu.
Nasci com um pé boto, que é o mesmo que dizer com o pé metido para dentro. A primeira cirurgia aos 11 meses foi um autêntico flop médico, seguida de imobilização com gesso que me viria a atrofiar irreversivelmente o crescimento da perna. Outro erro. Em consequência disto, seguiu-se uma série de cirurgias correctivas até completar 16 anos.
Hoje em dia, tenho um pé um número mais pequeno do que o outro, cheio de cicatrizes e dedos que encaracolam, o que tem o seu quê de poético não fosse o desconforto que me causa. Tenho 12 mm de diferença na altura de uma e outra perna, o que me faz coxear sempre um pouco, mesmo que não tenha dores. Graças a muito desporto, consegui desenvolver o músculo da perna, mas a diferença entre as duas pernas é – e será – sempre notória.
Escondi esta diferença durante 23 anos. Quando tinha 12 anos, com a autoconsciência exagerada do corpo que a puberdade traz, comecei a sentir-me diferente. Daí até ser uma complexada foi um passo. Durante 23 anos, não usei saias acima do tornozelo, calções então eram proibitivos. Não ia à praia, ou apenas com pessoas seleccionadas. Meti na cabeça, ou meteram-me, que era insuficiente, inapta para a maioria de desportos ou actividades físicas, que não tinha o direito de sujeitar os outros à visão de um pé e uma perna deformados, com tudo o que isso implica em períodos tão importantes da vida como a adolescência, a entrada na faculdade, o primeiro namorado, os anos de jovem adulta. Foram 23 anos presa dentro de mim.
Um dia, já adulta e mãe, decidi fazer psicoterapia. A psicóloga devia ser parva, porque me dizia que eu ainda iria usar saias, e eu ria-me, a tentar disfarçar o meu escárnio. Nunca julguei ser possível. Era um daqueles pesadelos recorrentes de que acordava sempre angustiada. Mas no Verão de 2015, quando já vivia ao pé da praia e as calças se tornaram um estorvo impraticável, senti que estava na altura de dizer basta. Bastava de ter calor, bastava de não poder usar a roupa que quisesse, bastava de não me sentir no direito de gostar de mim. E assim sucedeu que um dia pus um vestido, saí à rua e descobri como é bom sentir a brisa de Verão nas pernas. Foi uma sensação única e memorável, como se tivesse descoberto um novo sentido.
Passaram-se 3 anos desde esse momento. Este ano, voltei a sentir necessidade de recorrer à psicoterapia, porque percebi que cuidar da nossa saúde mental é tão importante como cuidar da nossa saúde física. A minha segunda psicóloga também deve ser parva porque acredita que eu vou ser capaz de começar a gostar de me ver nas fotografias, mas desta vez já acredito nela. E comecei a tirar-me muitas fotografias de corpo inteiro, como esta que aqui ponho, e a olhar para elas como um exercício.
23 anos anos não se desfazem do pé para a mão. Mas quando faço a mala para umas mini-férias e percebo que, sem dar por ela, não incluí um único par de calças, sinto que estou no caminho certo. E agora não quero parar.
Esta sou eu.
Eu sou assim.
É assim que é.
Habituem-se.
5 comentários
Querias ser perfeita,não 😁?És lindaaaaaaaa 🙂
Eu acho que és linda !!
As imperfeições fazem e tornam-nos perfeitas naquilo que somos feitas!
🙂
Que bonito. Obrigada 🙂
Qual imperfeição? eu não vejo. ^-^
Vejo um mulher linda e fabulosa.
Bjs
Obrigada, Dulce! ☺️ Um beijinho.