Quando soube que o meu segundo bebé era uma menina, chorei. Porque sempre quis ter apenas meninos e não sabia o que fazer com meninas. Como educá-las a não serem umas parvas histéricas. Como aceitá-las parvas e histéricas. As minhas duas filhas, às vezes, são um bocado histéricas. Como são minhas filhas, é óbvio que não são parvas, mas às vezes são um bocado histéricas. Aceito bem isto, assim como há muito que aceitei o meu desígnio em ter duas mulheres para educar, com tudo o que isso implica: dar-lhes força, ensinar-lhes a ter coragem para serem livres, neste mundo em que a liberdade é dos homens. Ou das galdérias.
A mais velha é muito menina, se é que se pode dizer isto sem preconceito. Gosta de saias de tutu, de cor-de-rosa, de brilhantes e de coisas de menina. Nós tentamos dizer-lhe que não há cá isso de coisas de menina ou de menino, mas ela teima muito na distinção. Penso que a escola deve ter tido um papel preponderante nesta forma de pensar, se cá em casa nunca se fez essa distinção, mas isso daria outro post.
Saiu da aula de Jiu-Jitsu porque só havia meninos. Foi para o ballet. Não quis ir aprender a fazer surf porque é coisa de menino. Aprendeu a andar numa bicicleta cor-de-rosa. Agora que começou a andar nos patins da Luna, o pai quer mesmo é ensiná-la a andar de skate. Só que há um problema: é “coisa de menino”. Assim, durante a semana passada, todas as noites depois do jantar, vimos os vídeos das meninas dos skates cor-de-rosa, três miúdas de seis anos, como ela, que adoram vestir-se de cor-de-rosa e fazer skate. O vídeo começa com elas a pintar as unhas num skate park, antes de pegarem nos skates e irem por ali abaixo. O vídeo é este e é uma delícia.
Em Dezembro, levámo-la a ver Capicua no CCB. Foi o seu primeiro concerto e espero que um dia mais tarde nos agradeça por isso. Sei que não deve ter percebido um terço da mensagem de força, união feminina e reivindicação pelos direitos das mulheres que as músicas de Capicua transmitem, mas chega-me o conforto de lhe ter mostrado como as mulheres sobem ao palco para falar (tão bem) de liberdade.
Há dois dias, enquanto víamos as notícias dos protestos nos Estados Unidos por causa da tomada de posse do Trump, perguntou se, caso morássemos no país daquele presidente novo, iríamos gostar dele. Respondemos os dois ao mesmo tempo com um redondo não. Para que não restassem dúvidas. Para que ela perceba que não se pode apoiar alguém anti-liberdade, que acha que as mulheres, os negros e os estrangeiros são inferiores. Hoje voltámos a ver as imagens na televisão de milhares de mulheres na rua a manifestarem-se contra este presidente que não gosta delas, e como tantos homens se lhes juntaram nos protestos. E voltámos a falar sobre isso. Eu não estive lá, mas gostaria de ter estado. Por todas as mulheres do mundo. E é nestas alturas que mais sinto a responsabilidade a pesar pelo desígnio que me foi dado com as minhas duas filhas nascidas mulheres em mundo de homens. Só espero estar à altura.